google.com, pub-3508892868701331, DIRECT, f08c47fec0942fa0 Rio de Saúde: Ansiedade e depressão, crise mexe com a cabeça do brasileiro

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Ansiedade e depressão, crise mexe com a cabeça do brasileiro

Cresce o número de pessoas que procuram ajuda para tratar sintomas de ansiedade e de depressão causados por problemas como o desemprego, a dificuldade para pagar dívidas e a falta de confiança no futuro do País.

O brasileiro anda vivendo dias difíceis. No trabalho, a pressão por bons resultados é intensa e a ameaça de perda do emprego, constante. Quem foi demitido sofre a angústia de tentar se recolocar profissionalmente e se deparar com portas cada vez mais fechadas. Nos jornais, a avalanche de más notícias econômicas e políticas desenha um cenário asfixiante, de perspectivas pouco animadoras para os próximos meses. Uma pesquisa da Confederação Nacional da Indústria captou em números a sensação da maioria da população: o medo do desemprego cresceu 32% de dezembro a março e o Índice de Satisfação com a Vida caiu 8% em relação a dezembro. É o menor índice da série histórica.

Essa atmosfera tão pesada começa a produzir repercussões na saúde mental dos brasileiros. Nos consultórios médicos, os últimos meses têm sido marcados pelo aumento no número de pessoas em busca de ajuda para lidar com sintomas de ansiedade e de depressão desencadeados pelas incertezas e aflições da crise que vive o País. “Só tinha visto algo parecido logo depois do 11 de setembro”, afirma o psiquiatra carioca Leonardo Gama Filho, que atende em sua clínica no Rio de Janeiro desde 1992. “O total de pessoas com queixas relacionadas à situação atual se elevou exponencialmente”, diz. Também no Rio de Janeiro, a psiquiatra Rita Jardim contabiliza maior busca por auxílio, inclusive no serviço público. “Desde o início do ano passei a atender no mínimo 16 pacientes por dia. Antes, eram 12”, conta a médica, que atende no Hospital Psiquiátrico Municipal Jurandyr Manfredini. A psicóloga Ana Maria Rossi, presidente da seção brasileira da International Stress Management Association – associação internacional dedicada à pesquisa científica e à prevenção do estresse – observa panorama semelhante em seu consultório em Porto Alegre. “Nas últimas semanas houve acréscimo de 30% na busca por informações sobre o atendimento e de 15% nos novos pacientes por causa da crise”, conta.

A maioria dos indivíduos chega na frente do médico com queixas de insônia, irritabilidade, dificuldade de concentração, apatia, cansaço. Na origem dos sintomas estão o medo de perder o emprego, a ansiedade em saber se será possível encontrar um novo trabalho e a continuidade de notícias ruins sobre o País, sem perspectiva de que isso mude a curto prazo. “A crise traz uma situação de alerta a todos, que gera insegurança”, explica Ana Lúcia Mandelli de Marsillac, do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina. Além disso, o clima atual também pode recrudescer a manifestação da ansiedade e da depressão em pacientes já diagnosticados. “Nesses indivíduos, em tratamento e sabidamente predispostos, o noticiário negativo leva ao agravamento dos sintomas”, explica o psiquiatra Márcio Bernik, coordenador do Ambulatório de Ansiedade do Hospital das Clínicas de São Paulo. Não é à toa, portanto, que os pacientes que procuram o psiquiatra Leonardo Gama Filho, do Rio de Janeiro, saem com a recomendação de evitar assistirem aos telejornais.

A associação entre crises e doenças psiquiátricas é algo indiscutível aos olhos da ciência. A última grande lição sobre como uma coisa leva inexoravelmente à outra veio com o crash financeiro no qual os Estados Unidos e a Europa mergulharam em 2008, com consequências ainda desastrosas para muitos países. Nas nações mais fortemente afetadas, como Grécia e Espanha, boa parte da população sofreu pesadamente de ansiedade e pressão. Um levantamento realizado por pesquisadores espanhóis, por exemplo, demonstrou que entre os anos de 2006 e 2010 houve, na Espanha, 19% de aumento no número de casos de transtornos de humor, 8% no atendimento a crises de ansiedade e de 5% de doenças associadas ao abuso de álcool.

Ansiedade e depressão são enfermidades diferentes mas passíveis de serem desencadeadas em tempos complicados. Isso porque são resultado de uma combinação que inclui desde mecanismos desenvolvidos pelos homens ao longo de sua evolução até falhas na construção da resiliência – a capacidade de cada um de resistir às pressões. No caso da ansiedade, trata-se de um estado necessário à sobrevivência. É ela que ajuda o corpo a se preparar para uma situação adversa, ameaçadora. Por isso, vem marcada fisicamente por respostas que deixam o organismo pronto para reagir: aumentam a pressão arterial e o batimento cardíaco e deixam o cérebro em alerta.

O problema é quando esse estado de prontidão não se desarma. Desta forma, a possibilidade de haver um remanejamento na empresa ou de não conseguir pagar a próxima prestação do carro é capaz de acionar de novo e de novo o esquema, trazendo um sofrimento tão grande e tão freqüente que a pessoa tem dificuldade para viver sua vida normalmente. É o que os médicos chamam de ansiedade disfuncional. Ou seja, ela perdeu sua função principal, a de ajudar o corpo a responder, e passou a ser uma doença.

Na depressão, a reação é outra.
Duas das marcas da enfermidade são a apatia e a extrema dificuldade de enxergar novas perspectivas, a luz no fim do túnel. Circunstâncias difíceis – como as experimentadas atualmente no Brasil – engrossam o caldo propício à manifestação ou ao agravamento de ambas as características.

Um ponto comum no desencadeamento da ansiedade e da depressão é um processo fisiológico que tem por trás o estresse crônico – algo que tende a se acentuar em dias como os atuais. São cada vez mais evidentes as constatações científicas de que submeter a mente ao estresse durante períodos mais extensos promove mudanças no cérebro que deixam as pessoas mais vulneráveis às duas enfermidades. Uma delas é o aumento no surgimento de células produtoras de mielina (bainha que recobre as fibras nervosas) e menor produção de novos neurônios. Isso provoca uma quebra no delicado equilíbrio do sistema de transmissão de informação entre um neurônio e outro, predispondo o cérebro a apresentar falhas em seu funcionamento que podem resultar nas duas enfermidades.

Como não se tratam aqui de questões simples de serem resolvidas, para as quais exista apenas uma saída, o tratamento das duas doenças exige medidas diversas. Do ponto de vista médico, elas incluem o fornecimento de medicação e psicoterapia. Os remédios são os antidepressivos e os ansiolíticos. Os primeiros atuam sobre o sistema de serotonina, umas das substâncias que faz a comunicação entre os neurônios e que está envolvida, entre outras funções, no processamento das emoções. Eles não causam dependência e alguns são indicados também para casos de ansiedade. Já os ansiolíticos impedem a ação do GABA, substância presente no sistema nervoso central que também age na comunicação entre os neurônios. Desta maneira, reduz a velocidade do funcionamento do sistema, atenuando os efeitos da ansiedade. Alguns podem causar dependência de acordo com a dose e o tempo de uso. Por isso, o ideal é que sejam usados em baixa dosagem e por curto espaço de tempo (entre três e quatro meses).

A opção pelo medicamento é uma atitude que deve obedecer a critérios claros. “Há situações nas quais não é preciso remédio”, explica o psiquiatra Miguel Jorge, professor do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “O momento adequado de indicar um remédio é quando a pessoa está vivendo a situação com sofrimento intenso e/ou quando ela está afetando seu dia a dia”, completa.

É consenso entre os especialistas também que a abordagem psicoterápica é fundamental. “Não é incomum, por exemplo, que uma pessoa que tenha quadro de pânico, mesmo sem crise há dois anos, não consiga ir ao cinema. Esse medo não passa com remédio. É preciso trabalhar a parte psicológica”, explica Miguel Jorge.

A modalidade de terapia mais indicada é a cognitivo-comportamental. Como diz o nome, ela atua nas esferas cognitiva, dos pensamentos, e de suas manifestações comportamentais. O objetivo é ajudar o paciente a identificar pensamentos que estejam associados ao aparecimento de sintomas, encontrar formas de neutralizá-los ou de transformá-los e mudar os comportamentos que normalmente estão a ele vinculados. Na prática, significa, por exemplo, auxiliar um paciente a dar nova avaliação a uma situação que considera ameaçadora. “Muitas vezes a pessoa hiper valoriza os riscos mas não enxerga os recursos que tem para superá-los”, explica a psiquiatra Gisele Gus Manfro, professora do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

O terapeuta estimula o indivíduo a perceber que está focando apenas no lado mais sombrio e o incentiva a encontrar maneiras mais positivas de analisar a questão. “Muitos indivíduos se depreciam, com pensamentos do tipo ‘não sou bom o suficiente para o mercado atual’. Isso potencializa a chance de apresentar ansiedade e estresse”, diz Allessandra Ferreira, especialista em gestão de pessoas e coaching. Uma das formas de evitar armadilhas como esta é aumentar a resiliência. “Em uma situação na qual muita gente já está perdendo emprego e vai receber o fundo de garantia, o que a pessoa pode fazer? Pode mapear o que tem de melhor e começar uma nova carreira. Um momento terrível pode ser um momento de libertação. A pessoa pode desenvolver uma vocação”, explica a psicóloga Mônica Portella, do Rio de Janeiro.

Opções como a prática da ioga e da meditação também têm respaldo científico de eficácia. Na Unifesp, há o estudo do mindfulness, prática que, por meio de exercícios de respiração, ajuda as pessoas a voltar a atenção para o presente, reduzindo a ansiedade em relação ao futuro. “Na rotina de trabalho agitada, as pessoas focam a atenção nas expectativas, no futuro, e não o que fazer no momento presente”, explica a psicóloga Isabel Weiss, pesquisadora da instituição paulista.

Uma ampla análise feita pela Organização Mundial de Saúde a respeito do impacto da crise europeia sobre a saúde mental apontou que medidas sociais também são importantes para amenizar os efeitos. Entre elas estão a instalação de programas de assistência a desempregados, de apoio às famílias com portadores de ansiedade e depressão e serviços que ajudem na renegociação de dívidas. Além disso, a entidade sugere o aumento no preço das bebidas alcoólicas. istoe.





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