Médicos perdem o medo de receitar
a reposição de testosterona para homens de meia-idade que apresentam queda
acentuada de vigor físico. O médico e escritor Moacyr Scliar escreveu, certa
vez, que "homens são testosterona". Trata-se de muito mais do que uma
imagem. Produzida principalmente nos testículos, a testosterona é um hormônio
poderoso.
Ainda no útero materno, a partir da sexta semana de gravidez, tem papel preponderante na formação da genitália do machozinho em gestação. Depois, ao longo da vida, continua a ser determinante na manutenção das características físicas do homem e na manifestação de uma série de comportamentos masculinos. Modula até o humor dos Joões, Josés e Ricardões.
É graças à testosterona que na
puberdade os pêlos crescem, a voz engrossa e os órgãos sexuais amadurecem. Aos
20 anos, a produção do hormônio atinge seu ápice e a libido aflora. Seus níveis
tendem a se manter estáveis até por volta dos 30 anos, quando, então, começam a
cair. A queda é lenta e gradual – em média, 1% ao ano –, num processo que
ganhou o nome de andropausa, a versão masculina da menopausa.
Mas, ao contrário do que ocorre
com as mulheres, todas fadadas aos martírios do escorregador hormonal, há
homens que não se ressentem das conseqüências da baixa de testosterona. São uns
felizardos. Os 20% que são atingidos por ela padecem de irritabilidade,
alterações do sono, dores, cansaço físico, desânimo generalizado e, por último,
mas não menos importante, diminuição do desejo sexual e perda de potência. Todos
esses percalços foram constatados por um estudo patrocinado pelo laboratório
Schering do Brasil e coordenado pela psiquiatra Carmita Abdo, do Projeto
Sexualidade (Prosex), do Hospital das Clínicas de São Paulo. Como se vê, o
homem é mesmo a sua testosterona.
Até pouco tempo atrás, não havia
consenso sobre a adequação de recorrer a doses extras do hormônio como forma de
combater os males associados a suas baixas. Muitos médicos argumentavam que os
prejuízos com o uso da testosterona sintética poderiam ser maiores do que os
benefícios. O receio era que a suplementação ocasionasse o desenvolvimento do
câncer de próstata. Por isso, o melhor a fazer, defendiam, era tratar com
paliativos os sintomas mais incômodos da andropausa. Nos últimos cinco anos,
contudo, mais de uma centena de estudos científicos mostraram que a reposição
hormonal masculina é de grande valia para homenscom níveis excessivamente
baixos de testosterona.
Além disso, há que levar em conta
que nenhuma pesquisa conseguiu provar com rigor a associação entre o hormônio e
o surgimento de câncer. Uma revisão dos principais trabalhos envolvendo
testosterona e câncer de próstata, feita neste ano, revelou que somente 22
casos de câncer de próstata foram observados entre 2.283 homens tratados com reposição
de testosterona. É uma incidência menor do que 1% – o mesmo da população em
geral. Uma outra análise retrospectiva de 72 estudos, feita pelos pesquisadores
do Beth Israel Deaconess Medical Center, em Boston, e publicada no The New
England Journal of Medicine, não encontrou uma relação de causa e efeito entre
a administração de doses extras do hormônio e tumores malignos na próstata.
Aos poucos, a ciência começa a
derrubar outro mito: o de que a suplementação à base de testosterona é fator de
risco para doenças cardiovasculares. Essa crença era baseada no fato de que os
homens morrem mais do coração do que as mulheres. Como eles têm muito mais
testosterona do que elas, imediatamente fez-se a associação: o hormônio da
virilidade pode matar por infarto e derrame. "O que os trabalhos mais
recentes mostram é justamente o contrário. A testosterona protege contra os
distúrbios cardiovasculares", diz o cardiologista Antônio Augusto Silveira
Júnior, de Curitiba. Ainda não se desvendaram os mecanismos dessa proteção. A
hipótese mais aceita é a de que a substância reduz a inflamação das artérias.
Alguns estudos sugerem ainda que a terapia de reposição hormonal masculina
aumentaria a sensibilidade à insulina e diminuiria o risco de aparecimento de
diabetes.
A conclusão até o momento,
portanto, é que a testosterona extra, desde que com indicação médica, faz mais
bem do que mal. Ela não só melhora a qualidade de vida dos homens, como reduz a
incidência de doenças e, conseqüentemente, a mortalidade masculina. "Um dos
principais objetivos da reposição é diminuir, enfim, a última grande diferença
entre os sexos: a longevidade", afirma a endocrinologista Anna Maria
Martits, especialista no assunto. Os homens brasileiros vivem 7,6 anos menos do
que as mulheres. "Tudo indica que o hormônio extra propicia que se viva
mais e melhor", diz Carmita Abdo.
A testosterona está tão em
evidência que, só no ano passado, foram publicados cerca de sessenta estudos
sobre a sua reposição. O mais impressionante deles demonstrou que homens com
mais de 40 anos que apresentam uma deficiência acentuada do hormônio têm mais
risco de morrer. Segundo esse trabalho, que foi publicado na revista científica
americana Archives of Internal Medicine e contou com a participação de quase
1.000 voluntários, os que tinham menos testosterona do que o aceitável
apresentavam um risco 88% maior de desenvolver doenças crônicas graves.
"Diante das evidências, nós, médicos, perdemos o medo de receitar
testosterona", diz o urologista Sidney Glina, do Instituto H. Ellis, de
São Paulo. De acordo com a consultoria IMS Health, as farmácias americanas
receberam 2,4 milhões de prescrições no ano passado, o dobro de dois anos
atrás. Um artigo publicado no The New England Journal of Medicine mostrou
aumento de 500%, desde 1993, nas vendas com receita de suplementos de
testosterona. De acordo com as projeções da indústria farmacêutica, dentro de
cinco anos esse mercado ultrapassará a casa do bilhão de dólares em
faturamento.
Em que pesem os resultados positivos, é preciso ter cautela. A reposição é contra-indicada para quem recebeu o diagnóstico de câncer de próstata (não foi provado que o hormônio causa tumores, mas é sabido que ele favorece o seu crescimento). Também não pode ser administrado a quem apresente excesso de glóbulos vermelhos, apnéia do sono obstrutiva e insuficiência cardíaca grave. Além disso, faltam estudos de controle que atestem os efeitos da suplementação do hormônio a longo prazo. São necessários mais dez anos de acompanhamento, com uma população de pelo menos 20.000 homens, para que um atestado de segurança integral possa ser dado à reposição de testosterona.
Até que isso aconteça, os
especialistas recomendam que o hormônio só seja utilizado por homens com
produção muito aquém do limite aceitável para cada idade. Os médicos temem que
a vulgarização da reposição masculina resulte em problemas semelhantes aos
enfrentados por mulheres que tomavam hormônios sintéticos para minorar os
efeitos da menopausa. A terapia de reposição feminina foi posta na berlinda
depois que se verificou que doses extras de um tipo de hormônio estavam
associadas ao aumento dos riscos de infarto, derrame e câncer de mama.
Um dos primeiros experimentos
sobre as benesses da reposição de testosterona foi conduzido pelo fisiologista francês
Charles Édouard Brown-Séquard (1817-1894), professor da Universidade Harvard.
Aos 72 anos, o médico apaixonou-se por uma aluna bem mais nova do que ele. Para
atender com eficiência – e alguma bravura – aos anseios da jovem, Séquard
injetou em seu próprio organismo substâncias retiradas dos testículos de
cachorros jovens e de porcos-da-índia. Em 1889, ele anunciou que o experimento
produziu feitos inacreditáveis em sua força muscular, libido e desempenho
sexual.
Mais: segundo o fisiologista,
tratava-se de um elixir capaz de prolongar a vida dos homens. "No dia
seguinte à primeira injeção subcutânea e, principalmente, depois da segunda
aplicação, uma mudança radical tomou conta de mim. Eu reconquistei toda a força
que tinha anos atrás. No que diz respeito ao meu desempenho intelectual, cuja
queda foi considerável nos últimos anos, houve uma súbita volta aos patamares
de outrora", relatou um entusiasmado Séquard. Em 1935, finalmente, foi
criada a primeira testosterona sintética – o que rendeu a seus descobridores, o
alemão Adolf Butenandt e o suíço Leopold Ruzicka, o Prêmio Nobel de Química.
A partir da década de 40, a
testosterona começou a ser usada indevidamente, em especial por fisiculturistas
em busca de músculos mais inflados do que o permitido pela genética. Os
esteróides anabolizantes nada mais são do que doses concentradas de
testosterona. Mais recentemente, homens de meia-idade passaram a usá-la sem
indicação médica. O abuso da substância pode ser devastador. Para se ter uma
idéia, enquanto a dose de uma injeção de Nebido, um dos medicamentos mais
modernos de reposição de testosterona, é de 1 000 miligramas a cada três meses,
fisiculturistas irresponsáveis (com músculos, mas sem cérebro) chegam a usar de
1 000 a 1 500 miligramas de testosterona diariamente. Nessas quantidades, o
hormônio provoca impotência, câncer no fígado, aumento do LDL, o colesterol
ruim, diminuição da libido, aumento das mamas, depressão e problemas
cardiovasculares.
A única forma de avaliar se o
mal-estar pelo qual muitos homens passam depois dos 40 anos se deve à falta de
testosterona é por meio de um exame laboratorial capaz de mensurar a sua
quantidade no sangue. "Em países desenvolvidos, o exame de testosterona já
se tornou um procedimento de rotina", diz o urologista Ernani Luis Rhoden,
professor da Faculdade Federal de Ciências Médicas, de Porto Alegre. Uma das
novidades na medição dos níveis do hormônio é a análise da presença no sangue
da proteína SHBG. Ela funciona como um ônibus, transportando e liberando testosterona
nas regiões do organismo onde o hormônio se faz necessário. "Hoje já se
sabe que a deficiência na produção dessa proteína é um dos fatores da disfunção
hormonal masculina", afirma o endocrinologista Geraldo Medeiros, da
Universidade de São Paulo. Ou seja, é possível que um homem apresente níveis
altos de testosterona circulante no sangue, mas, ao mesmo tempo, sofra dos
sintomas típicos da andropausa, por causa da ineficiência da SHBG.
Os especialistas acreditam que a
absolvição – ainda que parcial – da testosterona pode estimular a que mais
homens de meia-idade cuidem da saúde. Menos de 60% dos homens com mais de 40
anos têm o costume de visitar um médico regularmente. Os que o fazem são
levados, geralmente, por suas companheiras. Para ganhar uma receita de
reposição hormonal, eles precisam passar por exames detalhados e periódicos.
Eis aí um dos efeitos positivos da testosterona, para além da recuperação de
vigor e entusiasmo: check-ups freqüentes.
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