Padre Marcelo Rossi: "Aprender a esperar me ajudou a evitar uma depressão. Em depoimento exclusivo, o religioso conta como recuperou a autoestima. Após sofrer uma lesão, o padre ficou três meses numa cadeira de rodas. Deixou de correr, engordou 40 quilos, diz que sentiu dor e frustração, mas perseverou. Assim, conta a ÉPOCA, descobriu o tempo de Deus.
Reportagem em ÉPOCA desta semana.
Padre Marcelo Rossi, em 2010. Quando machucou o tornozelo, ficou meses sem andar e beirou a depressão: "Não conseguia explicar o que sentia. Parecia existir um deserto dentro de mim. Acordar e dormir eram os piores momentos daqueles dias de 2010. Na cama, deitado, imaginava que tudo o que acontecera no dia anterior se repetiria de novo. E de novo. É como obrigar alguém que gosta de provar novos sabores e combinações a comer, em todas as refeições, o mesmo prato.
Não conseguia me olhar no espelho. Evitava encarar um reflexo frustrado. Chorava sem motivo. Machucar gravemente o tornozelo esquerdo, em abril daquele ano, não tirou apenas minha independência de ir e vir quando desejasse. Roubou o prazer que sentia todos os dias quando corria na esteira. Apagou minha autoestima. Foi a primeira vez que experimentei uma profunda tristeza na minha vida, um princípio de depressão.
Tudo aconteceu muito rápido naquele final de abril. No dia 27, depois de realizar a missa da manhã, recebi a visita do embaixador de Roma, Dom Dino Samaja, na minha sala. Ele disse: ‘Você foi presenteado’. Diante da minha surpresa e da paralisia pela qual fui acometido, Dom Dino continuou: ‘Você receberá um prêmio, em Roma, das mãos do (então) papa Bento XVI.’ A cerimônia tinha data marcada, 22 de outubro.
Essa premiação, até então por mim desconhecida, é concedida pelo papa todos os anos. Cinco pessoas são escolhidas por se destacar na difusão do catolicismo no mundo. É obrigatória a presença do homenageado. Em caso de falta, o prêmio é cancelado. Naquele ano, eu seria um dos cinco a receber o prêmio Van Thuân, com o título de evangelizador moderno.
Dois dias depois, torcedor fanático do Corinthians, não conseguia dormir por causa do jogo em que o Flamengo, por 1 a 0, tirou meu time da disputa da Copa Libertadores da América. Mal-humorado e sem sono, decidi correr na esteira. Eram 4 horas da manhã. Pratico corrida sempre à tarde ou à noite, a 9 quilômetros por hora. Naquele dia, não era possível esperar tantas horas para aliviar o estresse. O treino não durou mais que cinco minutos. Tive uma vertigem, pisei mal na esteira e fui lançado para trás. Na hora, me lembrei de proteger a cabeça – regra básica das aulas de artes marciais que fiz na adolescência. Levantei do tombo com dor no corpo, em especial na clavícula.
Decidi procurar ajuda médica. A avaliação mostrou que a clavícula estava bem. Meu tornozelo esquerdo não. Na queda, rompi todos os ligamentos. A previsão mais otimista falava em meses de tratamento – e nenhuma viagem. Pensei: ‘Não vou me recuperar a tempo de receber o prêmio’. Diante desse impasse, o médico deu duas opções. Uma cirurgia, de resultado incerto, ou centenas de sessões de fisioterapia. Sem a operação, o tratamento seria mais longo, mas era a única chance de voltar a caminhar até a entrega do prêmio, em outubro. Optei pela recuperação em casa.
Fonte: Revista ÉPOCA
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